quinta-feira, novembro 10, 2005

Estamos Presos a Algo?!


Lisbon Revisited
(1926)












"Nada me prende a nada.
Quero cincoenta coisas ao mesmo tempo.
Anceio com uma angustia de fome de carne
O que não sei que seja –
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.
Fecharam-me todas as portas abstratas e necessarias.
Correram cortinas por dentro de todas as hypotheses que eu poderia
ver da rua.
Não ha na travessa achada o numero de porta que me deram.
Accordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exercitos sonhados sofreram derrota.

Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta – até essa vida...
Comprehendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tedio que é até do tedio arroja-me á praia.
Não sei que destino ou futuro compete á minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do Sul impossivel aguardam-me naufrago;
Ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.
Não, não sei isto, nem outra cousa, nem cousa nenhuma...
E, no fundo do meu espirito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos ultimos da alma, onde memóro sem causa
(E o passado é uma nevoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longinquas
Onde supuz o meu ser,
Fogem desmantelados, ultimos restos
Da ilusão final,
Os meus exercitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cohortes por existir, esfaceladas em Deus."(...)byÁlvaro de Campos

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