terça-feira, julho 04, 2006

A propósito de religiões...







(...)"As necessidades do budismo são um clima extremamente ameno, muita gentileza e
liberalidade nos costumes, e nenhum militarismo; ademais, que seu início provenha das classes
mais altas e educadas. Alegria, serenidade e ausência de desejo são os objetivos principais, e eles
são alcançados. O budismo não é uma religião na qual a perfeição é meramente objeto de
aspiração: a perfeição é algo normal. — No cristianismo os instintos dos subjugados e dos
oprimidos vêm em primeiro lugar: apenas os mais rebaixados buscam a salvação através dele.
Nele o passatempo prevalecente, a cura favorita para o enfado, é a discussão sobre pecados, a
autocrítica, a inquisição da consciência; nele a emoção produzida pelo poder (chamada de
“Deus”) é insuflada (pela reza); nele o bem mais elevado é considerado algo inatingível, uma
dádiva, uma “graça”. Também falta transparência: o encobrimento e os lugares obscurecidos são
cristãos. Nele o corpo é desprezado e a higiene é acusada de lascívia; a Igreja distancia-se até da
limpeza (— a primeira providência cristã após a expulsão dos mouros foi fechar os banhos
públicos, dos quais havia 270 apenas em Córdoba). Também é cristã uma certa crueldade para
consigo e para com os outros; o ódio aos incrédulos; o desejo de perseguir. Idéias sombrias e
inquietantes ocupam o primeiro plano; os estados mentais mais estimados, portando os nomes
mais respeitáveis, são epileptiformes; a dieta é determinada com o fim de engendrar sintomas
mórbidos e supra-estimulação nervosa. Também é cristã toda a inimizade mortal aos senhores da
terra, aos “aristocratas” — juntamente com uma rivalidade secreta contra eles (— resignam-se
do “corpo” — querem apenas a “alma”...). É cristão todo o ódio contra o intelecto, o orgulho, a
coragem, a liberdade, a libertinagem intelectual; o ódio aos sentidos, à alegria dos sentidos, à
alegria em geral, é cristão..."(...)

Friedrich Nietzsche in "O Anticristo"
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